Mais de 40 milhões de brasileiros brancos carregam uma herança genética de antepassados indígenas
Sobrevivem no DNA de milhões de brasileiros brancos lembranças vivas de tribos indígenas há muito desaparecidas. A revelação está no primeiro retrato genético do brasileiro, realizado pela equipe do geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A pesquisa pioneira quantifica a mistura de europeus, índios e negros que deu origem ao brasileiro. Os cientistas descobriram que nada menos do que 33% de linhagens ameríndias no genoma do brasileiro dito branco.
- Isso nos permite calcular que 45 milhões de brasileiros têm herança materna genética dos índios. Embora a população indígena brasileira atual represente cerca de 10% do tamanho da que existia na época do Descobrimento, o número de pessoas com DNA mitocondrial (que existe dentro de estruturas celulares chamadas mitocôndrias) indígena aumentou mais de dez vezes - salientou Pena.
Genética ajuda a entender formação do país
O chamado retrato molecular do brasileiro faz eco às análises histórica, sociológica e antropológica realizadas por nomes como Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre. Porém, mostra que a mistura de povos é ainda maior do que a imaginada. Segundo o estudo, a maioria das linhagens paternas da população branca do país veio da Europa (mais de 90%), todavia, 60% das linhagens maternas são de origem ameríndia ou africana. A união do branco com negras e índias é uma marca da formação do Brasil, mas os geneticistas não esperavam encontrar um grau de miscigenação tão grande.
- Usamos novas ferramentas, a genética molecular e a genética de populações, para reconstituir o processo que gerou o brasileiro branco atual - explicou Pena.
Os cientistas estudaram o DNA de 247 pessoas (200 homens e 47 mulheres) das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste, uma amostra considerada significativa.
Pena explicou que restringiu o estudo à população branca porque, além de esta ser majoritária no Brasil (51,6% da população), já existem várias análises sobre a proporção de genes europeus no negro brasileiro. O DNA dos índios brasileiros também tem sido estudado. No entanto, não havia nenhum grande estudo sobre a presença de genes ameríndios e africanos na população branca. As amostras (colhidas com consentimento das pessoas) foram selecionadas de indivíduos pertencentes às classes alta, média e baixa, de forma que o resultado fosse o mais representativo possível.
Os geneticistas da UFMG usaram as duas grandes ferramentas da arqueologia molecular para decifrar a história guardada pelo DNA do brasileiro. A primeira é o estudo do cromossomo sexual masculino Y - área na qual Pena tem um trabalho pioneiro, que revelou que os índios americanos descendem de povos da área central da Sibéria.
A segunda é a análise do DNA mitocondrial, herdado apenas pela via materna. Esse DNA existe apenas dentro das mitocôndrias e tem uma taxa de mutação bem conhecida por geneticistas. É justamente através do estudo dessas mutações que os pesquisadores podem identificar marcas genéticas associadas a determinadas etnias. Trabalhos nessa linha têm revelado como foi o processo de ocupação das Américas há mais de 20 mil anos e como o homem se dispersou pelo planeta.
As informações contidas no cromossomo Y são herdadas apenas do pai e contam a história dos ancestrais do sexo masculino. Já o DNA mitocondrial ajuda a revelar a origem materna. A combinação dos resultados permitiu aos cientistas traçar um retrato das uniões que ao longo dos últimos 500 anos geraram o brasileiro atual.
Garimpo de genes promete revelar tribos extintas
Pena não esconde a empolgação com a descoberta da grande parcela de DNA de origem indígena no código genético de brasileiros. Ele ressalta que no caso do Sudeste a questão se torna ainda mais interessante, uma vez que a maior parte das tribos que existiam nos primeiros séculos da colonização do Brasil está extinta ou reduzida a pouquíssimas famílias.-
Descobrimos no DNA do branco linhagens indígenas perdidas, que podem ser herança de tribos outrora importantes como os aimorés e botocudos - disse Pena.
Agora, ele e sua equipe (composta pelos geneticistas Denise Carvalho, Juliana Silva, Vânia Prado e Fabrício Santos) se preparam para iniciar uma garimpagem genética de tribos perdidas no DNA da população branca das regiões onde essas tribos viviam, como os vales do Jequitinhonha e do São Francisco, em Minas.
- Podemos descobrir grupos de índios pioneiros, completamente extintos, o que é importante para compreender o povoamento do Brasil. Vamos garimpar genes e podemos encontrar algumas pepitas de ouro - espera o cientista da UFMG.
Saiba mais sobre raça
No artigo em que descrevem o retrato do DNA do brasileiro, a equipe da UFMG faz questão de aspear a palavra raça. O motivo é simples: do ponto de vista genético, as raças humanas simplesmente não existem. Não há diversificação suficiente entre os povos para que certos grupos possam ser classificados biologicamente como raças, disse Sérgio Pena.
Geneticistas dizem que o termo raça é uma construção social e cultural. Para eles, o que existem são etnias, isto é, grupos populacionais que têm características físicas ou culturais em comum. A questão da raça é justamente um dos temas do Congresso Brasileiro de Genética, que acontecerá em setembro e que este ano terá o título "Brasil, 500 anos de mistura genética".
Jornal: O GLOBO / Autor: Ana Lúcia Azevedo
Editoria: Ciência e Vida / Tamanho: 876 palavras
Edição: 1 / Página: 51
Coluna: / Seção:
Caderno: Primeiro Caderno
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