sábado, 13 de março de 2010

Hitler e a Maçonaria


Felisberto S. Rodrigues, M.I. M.R.A

Publicado na revista maçônica “Engenho & Arte” n° 10 de outubro de 2002, editor João Guilherme C. Ribeiro

O Irmão Harry Mendoza, Past Master da Loja Quatuor Coronati nº 2076, a primeira Loja de pesquisas do mundo, escreveu um livro precioso em 1995, chamado Serendipity1. Toda vez que o folheio, lembro-me do Felisberto, principalmente por causa do que os editores escreveram na apresentação do livro:

“Quase todas as Lojas Maçônicas no mundo têm um nome e um número. Na Inglaterra, há aproximadamente 9.000 Lojas, além de 3.300 Capítulos do Arco Real. A intenção deste livro era descobrir as origens da identidade das Lojas através de seus estandartes. Entretanto, tornou-se logo evidente que, em muitos casos, o emblema do estandarte era o mesmo que aparecia na insígnia usada pela Loja, que também aparecia nos Chamamentos2 e nos alfinetes de lapela dos seus Past Masters.3

Muitas Lojas têm uma divisa, a grande maioria em Latim, mas algumas também em francês e galês. Algumas têm conotação óbvia com o nome da pessoa ou organização que deu nome à Loja, enquanto outras são bem mais intrigantes.

Assim, aquilo que havia começado como um livro sobre estandartes de Lojas tornou-se um de descobertas e tesouros insuspeitados. O título, Serendipity, espelha o que o leitor sentirá ao mergulhar neste livro – alegria das descobertas inesperadas.”

Assim era o Felisberto, sempre descobrindo fatos e coisas. E dividindo com os Irmãos, como era bem de seu jeito.

Há quase dez anos atrás, na plenitude de seu entusiasmo, fuçando que encontrava sobre Maçonaria, nosso Felisberto não se detinha diante de qualquer obstáculo. Se estivesse em português, ele ira confrontar para tirar suas próprias conclusões. Se estivesse em idioma estrangeiro, espanhol, italiano ou francês, lá ia ele pacientemente fazendo sua tradução, anotando minuciosamente os termos mais complexos.

Um dia, ele apareceu com o artigo que se segue, que aqui reproduzimos para fazer justiça aos perseguidos e sacrificados Maçons alemães.

Na revista Gênesis, editada pela Grande Logia de Espana (http://www.granlogia.info/pagina/index2.htm), havia uma história tão interessante que resolvi trazer para vocês, traduzida livremente e acrescentada de alguns comentários necessários. Aqui vai:

No início de 1934, logo após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, ficou claro que a maçonaria alemã corria o risco de desaparecer.

E breve, a maçonaria alemã, que conhecera dias gloriosos e que tivera, em suas colunas, os mais ilustres filhos da pátria alemã, com Goethe, Schiller e Lessingn, veria esmagado o espírito da liberdade sob o pretexto de impor a ordem e uma estúpida supremacia racial.

Quanto retrocesso desde que Friedrich Wilhelm III, Rei da Prússia, em 1822, impediu que os esbirros reacionários da Santa Aliança de Metternich4 fechassem as Lojas Maçônicas, declarando peremptoriamente que poderia descrever os Franco-Maçons prussianos, com toda a honestidade, como sendo os melhores dentre os seus súditos...5

As Lojas alemãs, na terceira década do século XX, estavam jurisdicionadas a onze Grande Lojas, divididas em duas tendências.

O primeiro grupo, de tendência humanista, seguindo os antigos costumes ingleses, tinha como base a tolerância, valorizando o candidato por seus méritos e não levando em consideração sua crença religiosa.

Constava de sete Grandes Lojas, a saber: Grande Loja de Hamburgo; GrandeLoja Nacional da Saxônia, em Dresden: Grande Loja do Sol, de Bayreuth; GrandeLoja-Mãe da União Eclética dos Franco-Maçons, em Frankfurt; Grande Loja Concórdia, em Darmstadt; Grande Loja Corrente Fraternal Alemã, em Leipzig; e, finalmente, a Grande Loja Simbólica da Alemanha.

O segundo grupo consistia das três antigas Lojas prussianas, que faziam a exigência de que os candidatos fossem cristãos. Havia ainda a Grande Loja União Maçônica do Sol Nascente, não considerada regular, mas que também tinha tendências humanistas e pacifistas.

Voltando a 1934, a Grande Loja Alemã do Sol se deu conta do grave perigo que iria enfrentar. Inevitavelmente, os maçons alemães estavam partindo para a clandestinidade, devido à radicalização política e ao nacionalismo exacerbado. Muitos adormeceram e alguns romperam com a tradição, formando uma espúria Franco-Maçonaria Nacional Alemã Cristã, sem qualquer conexão com o restante da Franco-Maçonaria. Declaravam eles abandonarem a idéia da universalidade maçônica e rejeitar a ideologia pacifista, que consideravam como demonstração de fraqueza e como uma degeneração fisiológica contrária aos interesses do estado!

Os maçons que persistiram em seus ideais precisaram encontrar um novo meio de identificação que não o óbvio Compasso & Esquadro, seguramente um risco de vida.


Há uma pequenina flor azul que é conhecida, em muitos idiomas, pela mesma expressão: não-me-esqueças – o miosótis. Entenderam, nossos irmãos alemães, que esse novo emblema não atrairia a atenção dos nazistas, então a ponto de fechar-lhes as Lojas e confiscar-lhes as propriedades.

O Miosótis Vergissmeinnicht, em alemão; forget-me-not, em inglês; forglemmigef em dinamarquês; ne m’oubliez pás, em francês; non-ti-scordar-di-me, em italiano; não-te-esqueças-de-mim, em português. Diz a lenda que Deus assim chamou a florzinha porque ela não conseguia recorda-se do próprio nome. O nome miosótis (Myosotis palustris) significa orelha de camundongo, por causa do formato das pétalas.

O folclore europeu atribui poderes mágicos ao miosótis, como o de abrir as portas invisíveis dos tesouros do mundo. O tamanho reduzido das flores parece sugerir que a humildade e a união estão acima dos interesses materiais, porque é notada principalmente quando, em conjunto, forma buquês no jardim.

Segundo conta o irmão Mendoza, de acordo com uma velha tradição romântica alemã, o nome da flor está relacionado às últimas palavras de um cavaleiro errante que, ao tentar alcançar a flor para sua dama, caíra no rio, com sua pesada armadura e afogara-se.

Outra história contada por ele diz que Adão, ao dar nomes às plantas do Jardim do Éden, não viu a pequena flor azul. Mais tarde, percorrendo o jardim para saber se os nomes tinham sido aceitos, chamou-as pelo nome. Elas curvaram-se cortesmente e sussurravam sua aprovação. Mas uma voz delicada a seus pés perguntou:“- E eu, Adão, qual o meu nome?”

Impressionada com a beleza singela da flor e para compensar seu esquecimento, Adão falou:“ – Como eu me esqueci de você antes, digo que vou chama-la de modo a nunca mais esquecê-la. Seu nome será não-te-esqueças-de-mim.”

Através de todo o período negro do nazismo, a pequenina flor azul identificava um Irmão. Nas cidades e até mesmo nos campos de concentração, o miosótis adornava a lapela daqueles que se recusavam a permitir que a Luz se extinguisse.6

O miosótis como símbolo foi objeto de um interessante estudo do irmão David G. Boyd, no Philaletes de abril de 1987. Ele conta, também, que muitos maçons recolheram e guardaram zelosamente jóias, paramentos e registros das Lojas, na esperança de dias melhores. O irmão Rudolf Martin Kaiser, VM da Loja Leopold zur Treue, de Karlsruhe, quebrou a jóia do Venerável Mestre em pequenos pedaços de tal modo que não pudesse ser reconhecida pela infame Gestapo.

Em 1945, o nazismo, com seu credo de ódio, preconceito e opressão, que exterminara, entre outros, também muitos maçons, era atirado no lixo da História. Nas fileiras vitoriosas que ajudaram a derrota-lo, estavam muitos maçons – ingleses, americanos, franceses, dinamarqueses, tchecos, poloneses, australianos, canadenses, neozelandeses e brasileiros. De monarcas, presidentes e comandantes aos mais humildes pracinhas.

Mas, entre os alemães, alguns velhos maçons também sobreviveram, seu sofrimento ajudando a redimir, de alguma forma, a memória da histeria coletiva nazista. Eles eram o penhor da consciência alemã, a demonstração de que a velha chama da civilização alemã continuara, embora com luz tênue, a brilhar durante a barbárie.

Em 14 de junho de 1954, a Grande Loja O Sol (Zur Sonne) foi reaberta, em Bayreuth, sob um ilustre irmão o Dr. Theo Vogel, núcleo da Grande Loja Unida da Alemanha (VGLvD, AF&AM -http://freimaurer.org/vgl/index.htm). Nesse momento, o miosótis foi aprovado como emblema oficial da primeira convenção anual, realizada por aqueles que conseguiram sobreviver aos anos amargos do obscurantismo. Nessa convenção, a flor foi adotada, oficialmente, como um emblema Maçônico, em honra àqueles valentes Irmãos que enfrentaram circunstâncias tão adversas.

Certamente, na platéia, estava o Venerável Mestre da Loja Leopold Zur Treue, agora nº 151, ostentando orgulhoso sua jóia recuperada e reconstituída, suas emendas de solda constituindo-se num testemunho mudo e comovente da história.

Finalmente, para coroar, quando Grão-Mestres de todo o mundo encontraram-se nos Estados Unidos, o Grão-Mestre da recém formada Grande Loja Unida da Alemanha7 presenteou a todos os representantes das Grandes Jurisdições ali presente com um pequeno miosótis para colocar na lapela.

O miosótis também é associado com as forças britânicas que serviram na Alemanha, em especial na região do Rio Reno, logo após a guerra. Há uma Loja, jurisdicionada à Grande Loja Unida da Inglaterra, a Forget-me-not Lodge nº 9035 (http://www.pglwilts.co.uk/page51.html), Ludgershall, Wiltshire, que adotou a flor como emblema. Foi formada especialmente para receber os militares ingleses que retornavam do serviço na Alemanha.

Foi assim que essa mimosa florzinha azul, tão despretensiosa, transformou-se num significativo emblema da Fraternidade – talvez hoje o mais usado pelos maçons alemães.

Ainda hoje, na maioria das Lojas germânicas, o alfinete de lapela com o miosótis é dado aos novos Mestres, ocasião em que se explica o seu significado para que se perpetue uma história de honra e amor frente à adversidade, um exemplo para as futuras gerações Maçônicas de todas as nações.

1. Harry Mendoza, Serendipity, Lewis Masonic & Q.C.C. Sales London, 1995.

2. No Brasil, acostumados às sessões semanais, muitos de nós desconhecem um antigo costume das Lojas Maçônicas dos países saxônicos, onde as reuniões são bem mais espaçadas. Desde os primórdios , os Irmãos eram avisados do próximo encontro por uma convocação, ou Summons, em inglês, alguns até muito elaborados. Entre nós, brasileiros, as Lojas tinham também seu mensageiro, muitas vezes um garoto adotado pela Loja, que ia de porta em porta avisar os Maçons do dia e hora das sessões. Aqui no Rio de Janeiro, em 1992, a Loja York reviveu essa prática. Da mesma forma, os Capítulos do Real Arco americano adotaram essa tradição em todo o Brasil, usando o Chamado ou Chamamento com muito sucesso.

3. Os Past Masters ingleses têm o direito de usar na lapela, nas Sessões Maçônicas, uma jóia exclusiva de sua honrosa posição.

4. KlemensWenzel Nepomuk Lothar, Príncipe de Metternich (1773-1859) foi a mais poderosa influência conservadora na Europa, após a queda de Napoleão I, em 1815. Querendo fazer voltar para trás os ponteiros do relógio, Metternich suprimiu com tal rigor os movimentos liberais e nacionalistas europeus que acabou por precipitar as grandes revoltas de 1848.

5. Eugen Lennhoff, Die Freimaurer – The Freemasons, Lewis Masonic, edição em ingles, revisada, 1994.

6. O uso do miosótis como identificação secreta pelos Maçons alemães foi contestado no Square Magazine de setembro de 1988 pelo irmão Cyril Batham, Past Master da Loja Quatuor Coronati nº 2076, mas, em que pese toda a autoridade do irmão Batham, ele apenas negou a autenticidade da história, sem, entretanto, apresentar os motivos da negativa. Além disso, há anos que a casa Ian Alan Regalia, especializada em paramentos maçônicos, exibe o miosótis em gravatas, alfinetes de lapela e pendantis, em prata, ouro e bijuteria. Por que o fariam, se o miosótis não fosse importante?

7. Na formação da Grande Loja unida da Alemanha aparecem 3 das Grandes Lojas existentes antes da II Guerra Mundial: Grande Loja do Sol, em Bayreuth; Grande Loja de Hamburgo; Grande Loja de Hesse, em Frankfurt (antiga União Eclética); Grande Loja de Bremen; Grande Loja Unidade, em Baden-Baden; Grande Loja Nacional de Niedercachse, em Hanover; Grande Loja Nacional de Nordrhein-Westfalen, em Dusseldorf; Grande Loja Nacional de Schleswing-Holstein, em Luberck; e Grande Loja de Wurttemberg-Baden, em Stuttgart. De acordo com o Listo f Lodges, em 2001 contava com 14.000 irmãos distribuídos em 490 Lojas.

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