Autor: Ayn Rand
"O criador está acima de qualquer humanitário É verdade que os reais benfeitores da humanidadeforam os homens produtivos, criadores. Nenhum humanitário jamais teve ou pôde se igualar em benefícios para os homens como um Thomas Edison, ou um Henry Ford. Mas o criador não está preocupado com os benefícios; eles são conseqüências secundárias. Ele considera seu trabalho, não o amor ou serviço para os outros. Thomas Edison não estava preocupado com os pobres nas favelas ou com quem viesse a ter luz elétrica. Ele estava preocupado com a luz. (Cartas de Ayn Rand (New York: Dutton [Penguin], 1995), M. Berliner, ed., p. 82.)
Indivíduos livres e que trocam experiências (afetivas, culturais, comerciais) entre si não têm tempo para semear revoltas e secessões raciais. As pessoas doentias moralmente, com o cérebro embotado pela "ética" altruísta e coletivista que plantam sementes de inveja colherão ódios generalizados e muita pobreza. Tais pessoas estariam dominadas pelo feitiço dos direitos "sociais", por privilégios de grupos, e teriam pseudoqualidades étnicas e raciais. Em sociedades assim constituídas, o indivíduo tenderia a dar lugar ao rebanho furioso, enlouquecido, invejoso e rancoroso estimulado pelo coletivismo, que reivindica direitos e mais direitos para a consagração de um pai generoso que os prodigaliza, mas que na verdade os escraviza.
Lula no discurso da sessão inaugural da 58a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas fez um discurso que podemos identificar como apaziguador e altruísta. Citou Gandhi e seu apelo pela não-violência quanto à questão do terrorismo; falou na fome internacional concitando os países ricos a darem maior atenção a ela. Sua intenção no discurso era falsa porque seu objetivo era alfinetar os Estados Unidos, ajudando a manter o clima hostil à atuação americana no mundo. Mesmo se sua intenção fosse honesta estaria equivocado porque seu discurso seria altruísta e apaziguador se pudéssemos interpretá-lo pelo discurso de Ayn Rand. Tentava ele domesticar o monstro terrorista com o discurso da covardia moral, o discurso do auto-sacrifício imerso no banho sagrado do "interesse público". Ele teria sido intimidador, destrutivo, e inculcador de dúvidas e incertezas.
E por que ele fez isso? Ayn Rand responderia que ele não o faria se o mundo não esperasse que ele fizesse exatamente isso, porque a linguagem do altruísmo hoje, como propaganda, domina todo o cenário e o imaginário, todo o consciente e o inconsciente humano. É tão amplamente majoritário que qualquer objeção a essa "norma" será considerada imoral ou dada como insana. É simplesmente a moralidade vigente. Ayn Rand fez há mais de 30 anos essa advertência clareando para nós, com muita coragem, o caminho do sucesso do altruísmo, e como ele veio a se tornar a única norma moral válida e universal em nossos tempos. Sua filosofia, o Objetivismo, que recebeu esse nome no lugar de Racionalismo - porquanto este estava muito desgastado à época em que ela delineou e fechou seu sistema -, se fosse apenas uma ética, seria o oposto perfeito de altruísmo.
Mas o Objetivismo pretendia ser muito mais. Para começar, ele foi a primeira filosofia a identificar a relação entre a vida e os valores morais, diz Leonard Peikoff, seu herdeiro. "Ética, diz Ayn Rand, é uma necessidade metafísica e objetiva da sobrevivência humana - não pela graça do sobrenatural, dos seus vizinhos, nem dos seus desejos, mas pela graça da realidade da natureza da vida". "Tudo que é próprio para a vida de um ser racional é bom; tudo que a destrói é mau".
Essas asserções, típicas do discurso do seu herói - John Galt -, são o oposto do altruísmo que não reconhece no indivíduo nenhum valor. As mentes obliteradas pelo misticismo e pelo ceticismo retiraram do homem qualquer chance de usar sem culpa a própria razão, única faculdade capaz de promover a escolha de um código moral para si. Para o místico a realidade é o infinito, para o cético é o zero. É a perdição, a desorientação dos valores. A ética é então a ciência que constrói um código de valores capaz de nos orientar para a busca do nosso maior propósito, a vida. Mas usar a razão é pensar, e pensar é difícil e exige egoísmo. A vida requer ganho de valores, não perda; conquista, não renúncia; autopreservação, não auto-sacrifício, afirma Leonard Peikoff. O homem até pode escolher a auto-imolação, mas não deverá esperar dela a prosperidade e a sobrevivência, continua ele. Um código de auto-interesse racional rejeita toda forma de sacrifício humano, seja o nosso em relação aos outros, seja o dos outros em relação a nós. Dele emanam todas as outras virtudes; a independência, honestidade, justiça, produtividade, integridade, orgulho.
O Objetivismo de Ayn Rand, que pode ser resumido esquematicamente nas equações:
Metafísica = Realidade
Epistemologia = Razão
Ética = Auto-Interesse
Política = Capitalismo,
repousa no indivíduo e em sua razão soberana. Mas o processo do pensamento é feito pelo homem, no singular, não pelos homens, ou sociedade, comitê, grupo orgânico, "sociedade civil organizada". Há quem contradite isso sob vários argumentos, mas esse raciocínio seria outra forma, ou outra expressão do altruísmo vigente, encouraçado, infenso à argumentação não viciada e contaminada, perdidamente contaminada pelo coletivismo. Rand pensava no ser vivente, não no ser humano; Rand pensava aqui e agora. Nenhuma visão de além-túmulo ou futurista está no sistema filosófico que ela deixou. A é A, assim como o homem é homem, se individualmente considerado. Este é seu princípio de identidade; é nele que surge a condição metafísica primária para o conhecimento, e pelo uso da razão, a escolha de valores dada pela ciência da ética. Depois disso tem que lhe ser reservada e preservada a liberdade para o seu sucesso econômico vital. Não há outro discurso filosófico possível para a busca do auto-interesse e da autopreservação, pelo menos não com esse apelo natural. Qualquer tentativa de fugir dessa ciência natural explica e justifica a autodestruição do homem. No entanto...
No entanto, os destruidores da riqueza e da vida; os predadores da razão e da liberdade, por pobreza de caráter, por inveja, ou por limitação da inteligência, estão cultivando o zero ou o infinito. Do discurso de John Galt o culto ao zero - o símbolo da impotência - busca eliminar da raça humana o herói, o pensador, o inventor, o produtor, o persistente, o puro. Para os apóstolos do zero é como se sentir fosse humano, e pensar não. Como se fracassar fosse humano, e triunfar não, com se fosse humano a corrupção, a virtude não.
Já os místicos declarados sustentariam a vontade de Deus como o padrão do bem e como validação da ética. Os neomísticos iluminados O substituíram pelo "bem da sociedade". Desta forma, com esse novo deus de minúscula magnitude, mas de infinita importância - a sociedade -, e desde então, se criou o mito do século XX e XXI. Porém, sociedade não existe, é apenas um número de indivíduos, embora alguns homens estejam eticamente autorizados a perseguir quaisquer caprichos (ou quaisquer atrocidades) enquanto outros homens estão eticamente obrigados a passar suas vidas a serviço desta gangue.
Se alguém denunciar essa ética deformada logo será jogado contra a parede e será coberto de impropérios de todos os lados. Ayn Rand também se lembrou disso. A essa estratégia de fugir do discurso de John Galt ela chamou argumento de intimidação. Segundo ela, esse método usual no debate político e público, é estratégia de difamação, intimidação e apaziguamento. É a tentativa de promover a credulidade irrefletida apelando e contando com a covardia moral dos ouvintes. Seria o discurso de Lula na ONU? Seria o discurso político no Brasil?
Em outra passagem de sua obra Ayn Rand, talvez precavidamente adverte:
"... Não sou primariamente uma advogada do capitalismo, mas do egoísmo; e não sou primariamente uma advogada do egoísmo, mas da razão. Se alguém reconhece a supremacia da razão e a aplica consistentemente, tudo o mais segue. Isto - a supremacia da razão - foi, é e será a preocupação primária de meu trabalho, e a essência do Objetivismo. ... A razão na epistemologia leva ao egoísmo na ética, que por sua vez leva ao capitalismo na política. A estrutura hierárquica não pode ser invertida, nem pode um nível posterior se sustentar sem o fundamental".
E em outro pensamento do tipo "objetivista" de Ayn Rand:
"Não podemos lutar contra o coletivismo, a menos que lutemos contra sua base moral, o altruísmo. Não podemos lutar contra o altruísmo, a menos que lutemos contra sua base epistemológica, o irracionalismo. Não podemos lutar contra nada - a menos que lutemos por alguma coisa, e aquilo pelo que devemos lutar é a supremacia da razão, e uma visão do homem como ser racional" Ayn Rand, "Don't Let it Go", in PWNI, p.214 (penúltimo parágrafo do livro)
Até aqui nessa segunda parte, tenho recolhido os principais pontos da doutrina a qual Ayn Rand deu o nome de Objetivismo como mostrados em seu livro A VIRTUDE DO EGOISMO. Na parte final, maior, e momento próprio da crítica, estarei mostrando as suas principais objeções. Ayn Rand e sua filosofia tiveram e têm críticos ferozes, inclusive entre libertários famosos como Murray Rothbard, por exemplo.
Mas uma nota seria necessária nesse momento. O tópico da virtude, propriamente dito, nunca foi o objetivo desse estudo e muito menos o do egoísmo. Foi um moto para oportunizar outras diversas preempções felizes que atualizam a autora frente à realidade brasileira. À virtude, ao egoísmo/altruismo, deverei voltar oportunamente; em outra série, em outro âmbito, na etologia, na zoologia, onde, porém, as controvérsias não são menores, apenas gozam de número menor de contendores iluminados. O mérito, que nunca esteve em conta se o egoísmo é ou não é uma virtude, parece que foi apagado por um consenso que absorvi de críticas recentes, algumas delas justamente indignadas. De fato, seria preferível dar ao altruísmo a dúvida de ele sim ser uma virtude e não o egoísmo, como escreveu Ayn Rand. Não foi a intenção de Ayn Rand, entretanto. Ela preferiu o confronto e arcou com os custos e os riscos disso tentando apresentá-lo dentro de um edifício filosófico, quase unanimemente contraditado e condenado por outros cultos e por quem de direito.
* Carlos Alberto Reis Lima é médico e escritor.
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