O Espiritual
Não podemos confundir a pessoa que procura experienciar a sua espiritualidade com a máscara do Espiritual: são duas pessoas opostas. É fácil descobrir a máscara do Espiritual. É aquela pessoa que nunca mente, nunca sente inveja, nunca é invadido por um pensamento negativo, nunca se preocupa com o dia de amanhã, nunca roubou nada (para ele, chegar atrasado não é roubar tempo a quem espera). Por outro lado, tem sempre um sorriso estampado na face. Aceita sempre os outros como são (exceptuando, claro, os pedófilos, assassinos, condutores embriagados e políticos que não sejam espirituais). Na verdade o Espiritual julga as pessoas em vez das acções cometidas por estas. Só há um problema que afecta verdadeiramente o Espiritual: um medo aterrador que alguém descubra a sua máscara e veja a falsidade da sua existência.
O Espiritual surge a partir da negação de todos os aspectos considerados maus e rejeitados pela humanidade. Um predador mascarado de vítima. A sua bondade é maior que o mundo e, no entanto, estão sempre a acontecer-lhe coisas más (as quais interpreta como “fazendo parte do seu processo de aprendizagem”). O Espiritual vive em tal estado de negação que é incapaz de ver a hipocrisia dos seus gestos.
É presunçoso, arrogante, egoísta, mesquinho e falso. Continuamente julga as pessoas à sua volta para validar a sua superioridade. Claro que a verdade é que se sente completamente perdido e inútil. O sentimento de não fazer parte da sociedade leva-o a gastar tempo e dinheiro na sua imagem. Se for homem dedicar-se-á ao yoga e musculação e a produtos de beleza, se for mulher, para além do yoga e dos produtos de beleza, é capaz de não resistir à tentação das operações plásticas. Mas em qualquer caso vivem aterrados que outros descubram que a sua aparência jovem se deve aos sucessos da indústria dos cosméticos.
O Espiritual perdoa com tal felicidade os que o magoam que é fácil ver a sua máscara. Por vezes o Espiritual é obeso, utilizando o excesso de peso para esconder as suas vergonhas, que podem ir da gula até ao desejo secreto de ver os amigos chegados com problemas, para ser ele a solução dos mesmos. Por vezes a sua vergonha relaciona-se com a perversão sexual, sendo mais tarde descoberto como alguém que passava horas em websites pornográficos ou mesmo envolvido em escândalos sexuais (não é por acaso que a Igreja Católica é assolada com frequência com histórias de padres pedófilos).
Devido muitas vezes à sua incapacidade de um relacionamento íntimo, tem a tendência a escolher uma religião onde o celibato seja obrigatório. Pode ainda optar por uma religião que não seja completamente conhecida das pessoas que o rodeiam (um amigo meu, hinduísta, ficou chocado quando lhe expliquei que os hinduístas criavam estátuas eróticas, que no ocidente são consideradas pornográficas, como forma de trabalhar os seus aspectos de escuridão).
É um predador nato porque, apesar de aparentar ser uma pessoa boa e cheia de boas intenções, no fundo alimenta um desejo de ver desgraça à sua volta para poder assim negar a sua própria insegurança e inutilidade, e ser útil aos outros. Irá, directa ou indirectamente, criar situações desagradáveis à sua volta para poder ser o Salvador. Está sempre disponível para dar um conselho amigo a quem o quiser ouvir, mas, se prestar bem atenção, ser-lhe-á fácil ver que os conselhos que dá são precisamente os que precisa de ouvir ele mesmo.
O Espiritual é aquela pessoa que se oferece para lhe fazer uma sessão qualquer de cura energética (desde o reiki até ao chi-gong), mas que antes tem que se proteger (claro que não é capaz de ver que se tem que se proteger está na verdade a ter medo e a convidar o medo para a equação da cura).
A vergonha do Espiritual é o sentimento de inutilidade, sentir-se imperfeito, e o peso de um complexo de inferioridade atroz. A necessidade de dispensar continuamente a sua bondade causa-lhe um desgaste energético que tenta compensar com todo o tipo de terapias alternativas. E o dinheiro que gasta com a sua imagem é a fonte de muitas das suas preocupações.
O desafio do Espiritual é ver que é tão perfeito e imperfeito como qualquer outro ser humano. Aceitar que os seus actos são causados pelo egoísmo natural de querer ele mesmo ser mais. Reconhecer que não tem que ser o exemplo para ninguém a não ser ele mesmo. Tem que aceitar que pode expressar todos os seus sentimentos e não apenas os que julga apropriados, mas fazê-lo de uma maneira saudável. Permitir-se expressar a raiva que guarda desde uma tenra idade e fazer as pazes com o seu lado de escuridão.
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