Um tiro de calibre trinta e oito.
Seco. Objetivo.
Estampido alto e breve.
- Não!
Um 'não' é forte, preciso e decidido.
Parece não deixar margem para dúvidas.
Três letrinhas escolhidas a dedo.
Um comprimido tarja preta, compacto, de pura negação.
Pense um pouco.
A palavra 'negativo' tem o mesmo significado.
- Vai ao jogo?
- Negativo..
Mas dizer 'negativo' é muito mais suave do que dizer 'não'.
No negativo, os ingredientes da recusa estão uniformemente diluídos nas letras.
Uma consoante, uma vogal, uma consoante, uma vogal... equilíbrio total.
É como tomar novalgina misturada na água.
Só se sente o sabor amargo bem de leve.
O não é diferente.
É um sossega leão de efeito imediato.
Se não for engolido com água, pode ser injetado na veia ou até invadir feito supositório.
Êne, a, ó, til.
O 'til' faz toda a diferença. Talvez seja a substância mais forte, o princípio ativo mais poderoso do medicamento.
O til se pronuncia com voz anasalada.
Nenhum som passa pela caixa sonora do nariz discretamente.
Pra se dizer 'não', tem que fazer força.
-Não!
A letra 'n' e o til vibram no aparelho vocálico.
Faz tremer o corpo, faz mexer as moléculas de som, explode no tímpano do ouvinte.
É como sentir no peito o eco de uma caverna após um grito.
Assusta os morcegos e desperta as feras adormecidas.
-Não!
Pois veja o 'sim'.
Muito mais amigável, mais agradável.
O 'sim' desliza boca afora. É uma palavra escorregadia.
O 'S' se encarrega disso. Por isso é tão fácil dizê-lo.
Já o 'não' não. Só se diz com uma boa razão.
---
Epílogo
A espécie humana, cada geração a seu tempo, se julga capaz de estabelecer a verdade sobre todas as coisas.
Mas é também da condição humana viver, evoluir, para descobrir que todas as verdades de 100 anos atrás eram, na verdade, uma grande mentira.
O 'não', tão temido e malvado apresentado no texto acima, nada mais é do que uma grande falácia.
Ele não é tão decidido e obtuso quanto parece.
Se aparentemente ele não deixa incertezas, conhecendo-o um pouco mais descobre-se que é um poço de contradição.
Veja o exemplo.
Se pergunto:
- Quer ir ao cinema hoje?
- Sim.
(Não dúvidas quanto à resposta. A pessoa aceitou o convite)
Mas se pergunto:
- Você não quer ir ao cinema hoje?
- Não.
E aí? A resposta 'não' é para dizer sim ou não?
É para concordar com a pergunta e dizer "eu não quero ir ao cinema"?
Ou é pra negar a pergunta e responder, na verdade "Não! Eu quero sim!"
Na verdade, o 'não' é um grande escravo da vírgula.
Por causa dela, as duas respostas seriam totalmente diferentes.
- Não quero!
- Não, quero!
Quem diria.
O não, afinal de contas, não é tão durão assim...
Ou não?
Seco. Objetivo.
Estampido alto e breve.
- Não!
Um 'não' é forte, preciso e decidido.
Parece não deixar margem para dúvidas.
Três letrinhas escolhidas a dedo.
Um comprimido tarja preta, compacto, de pura negação.
Pense um pouco.
A palavra 'negativo' tem o mesmo significado.
- Vai ao jogo?
- Negativo..
Mas dizer 'negativo' é muito mais suave do que dizer 'não'.
No negativo, os ingredientes da recusa estão uniformemente diluídos nas letras.
Uma consoante, uma vogal, uma consoante, uma vogal... equilíbrio total.
É como tomar novalgina misturada na água.
Só se sente o sabor amargo bem de leve.
O não é diferente.
É um sossega leão de efeito imediato.
Se não for engolido com água, pode ser injetado na veia ou até invadir feito supositório.
Êne, a, ó, til.
O 'til' faz toda a diferença. Talvez seja a substância mais forte, o princípio ativo mais poderoso do medicamento.
O til se pronuncia com voz anasalada.
Nenhum som passa pela caixa sonora do nariz discretamente.
Pra se dizer 'não', tem que fazer força.
-Não!
A letra 'n' e o til vibram no aparelho vocálico.
Faz tremer o corpo, faz mexer as moléculas de som, explode no tímpano do ouvinte.
É como sentir no peito o eco de uma caverna após um grito.
Assusta os morcegos e desperta as feras adormecidas.
-Não!
Pois veja o 'sim'.
Muito mais amigável, mais agradável.
O 'sim' desliza boca afora. É uma palavra escorregadia.
O 'S' se encarrega disso. Por isso é tão fácil dizê-lo.
Já o 'não' não. Só se diz com uma boa razão.
---
Epílogo
A espécie humana, cada geração a seu tempo, se julga capaz de estabelecer a verdade sobre todas as coisas.
Mas é também da condição humana viver, evoluir, para descobrir que todas as verdades de 100 anos atrás eram, na verdade, uma grande mentira.
O 'não', tão temido e malvado apresentado no texto acima, nada mais é do que uma grande falácia.
Ele não é tão decidido e obtuso quanto parece.
Se aparentemente ele não deixa incertezas, conhecendo-o um pouco mais descobre-se que é um poço de contradição.
Veja o exemplo.
Se pergunto:
- Quer ir ao cinema hoje?
- Sim.
(Não dúvidas quanto à resposta. A pessoa aceitou o convite)
Mas se pergunto:
- Você não quer ir ao cinema hoje?
- Não.
E aí? A resposta 'não' é para dizer sim ou não?
É para concordar com a pergunta e dizer "eu não quero ir ao cinema"?
Ou é pra negar a pergunta e responder, na verdade "Não! Eu quero sim!"
Na verdade, o 'não' é um grande escravo da vírgula.
Por causa dela, as duas respostas seriam totalmente diferentes.
- Não quero!
- Não, quero!
Quem diria.
O não, afinal de contas, não é tão durão assim...
Ou não?
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