sexta-feira, 2 de abril de 2010

Egoísmo, a Virtude Maldita - Parte I


Autor: Ayn Rand

"I have come here to say that I do not recognized anyone’s right to one minute of my life… It had to be said. The world is perishing from an orgy of self-sacrificing". Ayn Rand, The Fountainhead

Para Ayn Rand, o significado atribuído ao egoísmo representa uma tergiversação intelectual devastadora, a qual é responsável pelo restrito desenvolvimento moral da humanidade. Abram o dicionário, recomenda ela. Eu abri o Aurélio no verbete egoísmo, e o que encontrei? O significado que Ayn Rand considerava um embuste, quase sempre carregado de tintas emocionais e ideológicas. Mas não é somente lá. Egoism OU egotism, no International Cambridge Dictionary of English, is the tendency to think only about yourself and consider yourself better and more important than other people, ou seja, a tendência a pensar somente em si mesmo e considerar você mesmo melhor e mais importante do que as outras pessoas (grifei em itálico os exageros contidos na definição). No primeiro dicionário, mais relevante para o nosso tema, o registro já equipara, como sinônimos, egoísmo e egotismo. No dicionário de que fala Ayn Rand, o significado não tem essa confusão e denotação, apenas registra que egoísmo é a preocupação com os nossos próprios interesses. Mas o nosso Aurélio dá, da primeira à última entrada do verbete, tão-somente denotações pejorativas ao egoísmo, ali visto como um vício moral, algo funesto e não recomendável. "Amor excessivo ao bem próprio, sem consideração aos interesses alheios". Novamente grifei os exageros. Afinal, não estarão certos os dicionários e errada Ayn Rand?

O que veremos abaixo é que ela demonstrou, em a Virtude do Egoísmo [1], exatamente o oposto. Sua demonstração se desenrola por toda a sua filosofia - o objetivismo. De fato, toda a sua vida e obra foram dedicadas a afirmar que o egoísmo é uma virtude, ao contrário que registra o senso comum.

Para melhor entender a sua preocupação com o egoísmo e nele reconhecer uma virtude, nada como demonstrá-lo pelo seu oposto, o altruísmo. Se olharmos o dicionário e procurarmos o significado de altruísmo, não encontraremos interpretações pejorativas. Altruísmo, no Aurélio, significa primeiro amor ao próximo; desprendimento, abnegação; doutrina que considera como fim da conduta humana o interesse do próximo - ama o próximo mais que a ti mesmo. Não há exageros, não há juízos morais negativos. Pelo contrário, o altruísmo é o próprio juiz moral com que se julgam todos os atos humanos e que no caso em questão tem um forte apelo religioso e bíblico.

O altruísta diz que a preocupação com os nossos próprios interesses (egoísmo) é nociva e que devemos renunciar (sacrificar-nos) aos nossos interesses em favor alheio. É precisamente contra esse elemento sacrificial que se insurge Ayn Rand, em outra passagem de sua obra:

"A relação entre razão e moralidade é recíproca. O homem que aceita o papel de um animal sacrificial não obterá a autoconfiança necessária para sustentar a validade de sua mente. O homem que duvida da validade de sua mente não alcançará a auto-estima necessária para sustentar o valor de sua pessoa e descobrir as premissas morais que tornam possível o valor do homem".

Assim, qualquer ação praticada para os outros é boa, e é má toda ação para nós mesmos. A ética do altruísmo afirma que o que vale (o que é moral) é a intenção de ajudar aos outros, servir ao "interesse público", ao "povo", de modo que a medida desse valor é o beneficiário da ação, e não a ação em si mesma. Por esse raciocínio, um ditador com as mãos sujas de sangue, mas munido da nobre intenção de servir ao seu povo, seria considerado moral.

Não há nesse exemplo a preocupação com o conteúdo da ação. Pela ética do altruísmo, o homem só é um ser moral quando é capaz de auto-sacrifício, de abandono do maior pelo menor, do melhor pelo pior. A renúncia ao auto-interesse e a concessão de si ao sofrimento, ou a uma resignada humildade, é vista como o único ato verdadeiramente moral.

Os altruístas costumam apresentar como prova a exceção, a emergência das situações humanas. Por exemplo, quem nunca ouviu as perguntas do tipo: o que você faria em um incêndio? Salvaria o seu próximo ou trataria de safar-se? Salvaria quem estivesse se afogando ou a tudo assistiria impassível? Para Ayn Rand, situações como essas são excepcionais, não são prova de nada, e nem põem à prova a moral humana. Não vivemos em um bote salva-vidas, assevera ela. Nossa moralidade permanente e constante não pode ser testada por situações de excepcional emergência. Ayn Rand ironiza os voluntários altruístas, abnegados e desprendidos, almas permanentemente dispostas a procurar náufragos nos sete mares para serem salvos por seu amor altruísta. Pela mesma razão ela alfineta os exércitos de voluntários.

Em suma, a moral atual não está no indivíduo, mas naquilo e naqueles em que ele se projetou - a sociedade; antes ainda ela habitava um centro divino. Esta sociedade é a beneficiária; esta é a ação moral exclusiva. Por esta ótica o indivíduo está totalmente ausente, a humanidade é por ela mal interpretada, e a natureza humana é vista como vil e má.

A questão da auto-estima também serve à prova de Ayn Rand de que o egoísmo é uma virtude. Toda a discussão atual da auto-estima está falseada por essa ética do altruísmo, porque a auto-estima somente pode se referir ao indivíduo - aquele que deveria ser o beneficiário do seu próprio interesse e assim conquistar o título de moral. O altruísmo é o contrário; é a antítese da auto-estima. Além disso, a auto-estima reconhecida apenas pelo altruísmo, ou pela negação do egoísmo, gerou sociedades modernas coletivistas e racistas.

Nestas últimas a auto-estima é automática, diz Ayn Rand. Ela é dada pela "raça", por determinação genética, pela magia tribal primitiva que prende o indivíduo em uma esfera de exceção autoglorificante. Daí, infere ela, a necessidade daquele que nada construiu querer se integrar no bando que artificiosamente lhe infunde uma sensação de poder, de segurança, de pertinência, que só pode gerar uma falsa auto-estima. Como a auto-estima só se pode referir ao indivíduo, assim como o orgulho só se pode referir a nós mesmos (não há orgulho pelos feitos dos outros; esse sentimento chama-se admiração, respeito, amor, nunca orgulho), o altruísmo coletivista é uma base falsa sobre a qual viceja o racismo. Não é por outro motivo que em sociedades que se auto-reverenciam como "morais" pelo apelo quase irresistível ao altruísmo se fortalecem todos os tipos de racismo. Elas são também coletivistas, e nelas o valor não repousa mais no indivíduo, mas na massa. Reciprocamente, o valor socialista máximo, a igualdade, já antecipa os esforços dos abnegados salvadores do mundo sempre em busca de quem igualar, alimentando, abrigando, vestindo, salvando e, finalmente, tiranizando, até aqueles que não pediram para serem salvos.

"Orgulhos" de raça, de bando, são manifestações e expressões de ódio disfarçado que se nutrem do sofrimento, do desprezo; são valores negativos de destruição, de supremacia violenta e, como tais, violentam o princípio fundamental do pensamento randiano, o indivíduo racional, cujo maior valor é a vida.

A pior conseqüência que uma sociedade erigida na base "ética" altruísta pode sofrer tem sido o Estado totalitário a partir do surgimento do coletivismo e do racismo. Ayn Rand adverte que contra o racismo somente se pode receitar o individualismo, o egoísmo virtuoso, antídoto certo que recupera a verdadeira auto-estima, condição prazerosa para a paz verdadeira dentro da sociedade e entre elas, algo que só se torna possível quando a razão é o norte humano, o único juiz a testar a nossa moralidade. Lutar contra o coletivismo é lutar contra as maiorias em favor das minorias, e não existe minoria menor do que um, o indivíduo. Ao contrário, segregar a sociedade por grupos, raças, ou bandos, somente engendra ódios destruidores. Cotas raciais são cotas certas de ódio, resgatáveis em um tempo líquido e certo dentro de uma sociedade. Como disse Ayn Rand:

"Como toda a forma de coletivismo, o racismo é uma procura pelo não-obtido. É uma procura pelo conhecimento automático - por uma avaliação automática da índole dos homens que desviam as responsabilidades de exercitar o julgamento racional ou moral - e, acima de tudo, uma procura por uma auto-estima automática (ou pseudo auto-estima)". (pg. 160; A Virtude do Egoísmo).

Não admira que o mundo hoje, eivado de irracionalismo, racismo, affirmative actions, cotas raciais, coletivismo, direitos sociais, produzidos pela aberração autodestruidora do altruísmo, esteja a sofrer como nunca.

Não admira que em um mundo como este, o homem seja considerado mau, que a natureza humana seja dita má e pervertida.

Não admira que, em um mundo como este, o egoísmo seja visto como imoral.

Hoje podemos descobrir que o homem só é vítima de outros homens porque abdicou de sua razão; abandonou ou renunciou à fonte da moral. Hoje sabemos que os homens e seus líderes foram ensinados a viver à custa da verdadeira razão de sua própria existência, isto é, o centro metafísico e psicológico do indivíduo, o ego. Os líderes intelectuais são os causadores da derrota moderna do homem e de uma ética destruidora e suicida.

"Vocês têm usado o medo como sua arma, e têm trazido morte aos homens, punindo-os por rejeitarem a sua moralidade. Nós lhes oferecemos a vida, como recompensa por aceitar a nossa". (Do discurso de John Galt, Atlas Shrugged).

Vossa moral altruísta é podre, diria John Galt se "vivo" estivesse, e como John Galt nos faz falta! Por isso, como na epígrafe, Ayn Rand denuncia qualquer auto-sacrifício como causa da degeneração da moral da humanidade moderna. [1]

Original de 1964; versão brasileira de 1991, com tradução de Candido Prunes e Winston Ling, editada pela Ortiz, e co-editado em 1991 pelo IEE de Porto Alegre.

* Carlos Alberto Reis Lima é médico e escritor.

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