segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Aspectos de um Primitivo Ritual de Iniciação Cristão

William J. Hamblin
Brigham Young University, Provo, Utah


Joseph Smith e outros líderes do início da Igreja estavam convencidos de que a investidura templária era uma autêntica restauração de antigas cerimônias de iniciação Cristãs e Judaicas, um conceito que ainda é sustentado entre a maioria dos Santos do Últimos Dias.[1] Em décadas recentes, eruditos Santos dos Últimos Dias, mais destacadamente entre eles, Hugh Nibley, vêm apontando para numerosos e interessantes paralelos entre alguns aspectos da investidura templária dos Santos dos Últimos Dias e diferentes formas de antigos rituais de iniciação do Oriente Médio.[2]
Mas o fato de que similaridades possam existir entre idéias e motivos de rituais antigos com os dos Santos dos Últimos Dias[3] não responde a questão mais significativa concernente a precisa natureza e interdependência entre os textos ou sistemas rituais manisfestados com os paralelos. Genericamente falando, há cinco possíveis explicações para estes paralelos. Sendo que os três primeiros são explicações naturalísticas.

1. Os paralelos são coincidentes ou então sob um exame mais rigoroso provam ser baseados em falsas comparações e forçadas interpretações
2. Quaisquer válidos paralelos que possam existir são devido ao fato de que seres humanos freqüentemente expressam sua religiosidade e solidariedade social através de atos ritualísticos. Santos dos Últimos Dias e antigos rituais podem ser vastamente similares mas são fundamentalmente distintos em todos detalhes mais significantes. A existência de paralelos é algo geral e universal antes de ser específico e histórico.
3. Joseph Smith criou a investidura baseado em fontes do século dezenove que lhe estavam à mão, tais como a Bíblia assim como práticas e rituais Maçônicos ou mágicos. Alguns destas fontes do século dezenove podem ser tenuamente ligadas até a mais antigos rituais e tradições, o que poderia ser responsável por algumas das aparentes semelhanças.

Estas três explicações não são de nenhuma maneira mutualmente exclusivas. Algumas combinações ou variações das mesmas são geralmente aceitas pela maioria dos não-mórmons assim como por uma pequena porção de Santos dos Últimos Dias.
As outras duas possíveis explicações são supernaturalísticas:

4. A investidura (“endowment”) dos Santos dos Últimos Dias representa uma restauração inspirada de autênticos e rituais de iniciação antigos revelados. Os paralelos entre rituais antigos e modernos existem porque estes antigos rituais foram revelados ou então são cópias ou corrupções de rituais revelados. Alguma variação desta expliacação é aceito pela maioria dos Santos dos Últimos Dias praticantes os quais levaram a questão em consideração. Esta é uma posição que eu pessoalmente acredito melhor possa responder a todas as evidências disponíveis.
5. Joseph Smith recebeu a investidura de uma outra fonte supernatural mas não de Deus, tal como o Demônio. Alguns evangélicos Cristãos e outros grupos podem aceitar alguma variação desta proposição.[4]

Dado que algum nível de paralelismo existe entre motivos ritualísticos antigos e aqueles dos Santos dos Últimos Dias, a questão agora se torna, quais destas cinco explicações, ou combinações e variantes delas melhor explicam os paralelos? É impossível tratar adequadamente com todas as ramificações destas questões no curto espaço aqui disponível. Eu me limitarei portanto a discussão de apenas um aspecto, de um problema histórico mais amplo: do possível método de transmissão e transformação de alguns ritos Cristãos do fim do primeiro e início do segundo século em rituais e escritos Gnósticos.[5] Especificamente examinarei algumas das evidências para as seguintes sete proposições:

1. O próprio Jesus estabeleceu um secreto e hierárquico ritual de iniciação.
2. Este sitema ritualístico foi transmitido através de Pedro para Marcos o evangelista, o qual trouxe o sistema ritual para Alexandria no Egito algum tempo depois de 65 AD.
3. Estes rituais eram secretamente praticados por pelo menos alguns ramos da Cristandade Alexandriana “ortodoxa” até pelo menos o fim do segundo século AD.
4. Durante o início do segundo século AD, Carpócrates, um antigo Cristão Gnóstico, ganhou acesso a pelo menos parte deste sistema ritual através de um élder apóstata de Alexandria.
5. Carpócrates e outros Gnósticos transformaram e transmitiram várias formas modificadas destas idéias e rituais para alguns ramos da Cristandade Gnóstica.
6. Possíveis manifestações deste transformado sistema de ritual podem ser encontrados em várias obras antigas Cristãs escritas pelos e sobre os Gnósticos.
7. Os paralelos entre a investidura do templo dos Santos dos Últimos Dias e alguns rituais e escritos Gnósticos podem ser vistas como reflexões de paralelos com os rituais originais estabelecidos por Jesus.

Deixe-me agora brevemene examinar a evidência de cada uma destas sete proposições.

1. O próprio Jesus estabeleceu um secreto e hierárquico ritual de iniciação.
Acaso alguns dos antigos Cristãos acreditavam que Jesus durante o seu tempo de vida terreno estabeleceu rituais de salvaão secretos e hierárquicos? A resposta para esta questão é mais certamente um SIM [6]! A antiga eucaristia Cristã (ou sacramento) é o exemplo mais claro disto. Embora hoje os rituais eucarísticos da maioria dos ramos do Cristianismo são ritos públicos, o oposto era verdadeiro do primeiro ao terceiro séculos AD. Como o erudito Católico Jean Daniélou escreve, “Pode parecer assombroso de que não há nada como [as antigas descrições de batismo] a ser encontrado em relacão à Eucaristia, mas a razão é que a disciplina do “arcana”, ou segredo, proibia a revelação dos Mistérios. O único ensinamenteo dado sobre este assunto, portanto, não podia ser preservado para uso em livros escritos”[7] A idéia de que a Eucaristia e outros sacramentos deveriam ser rituais secretos é expressa em numerosos e antigos escritos Cristãos. Por exemplo, as Constituições Apóstolicas (Didaché) aconselha que “as portas sejam observadas [durante a eucaristia], para que nenhum descrente ou pessoa não iniciada possam entrar.”[8] Então, de acordo com aproximadamente todos os ramos do Cristianismo primitivo, Jesus instituiu um ritual de salvação, conhecido como eucaristia (ou sacramento), que era para ser realizado em segredo.
Seria a Eucaristia o único ritual secreto estabecido por Jesus? Aqui a evidência é muito mais controversa, mas um ampla variedade de documentos descobertos e estudados nas últimas recentes décadas claramente mostram que muitas ramificações do antigo Cristianismo mantinham que Jesus realmente instituira outros rituais secretos, conhecidos de uma forma mais variada como os “Mistérios da Redenção”, os “Grandes Mistérios”, ou como os “Mistérios do Reino de Deus”.
Um dos mais interessantes destes novos documentos foi descoberto algumas décadas atrás pelo professor Morton Smith [9]. O documento é um fragmento de uma epístola de Clemente de Alexandria que viveu por volta de 150-213 AD e a quem geralmente se é considerado como um Cristão “ortodoxo”. Nesta epístola Clemente cita uma fascinante passagem a partir de uma obra previamente desconhecida a que ele chama “Secreto Evangelho de Marcos”. Embora nada seja sabido com certeza sobre a data, autoria ou proveniência deste Secreto Evangelho de Marcos, o seguinte é um sumário das atuais evidências e hipóteses dos eruditos:
Autor: Clemente alega que o documento foi escrito por Marcos, o Evangelista. A maioria dos eruditos acham que o documento é um evangelho pseudo-epígrafo do início do segundo século.[10]
Data: Para que o Secreto Evangelho de Marcos tenha sido citado por Clemente, deve ter vindo à luz pelo menos antes de 150 AD. Morton Smith providencia evidências convicentes de que ele seja provavelmente datado do fim do primeiro ou início do segundo século, uma hipótese que é geralmente aceita hoje.[11] Se foi realmente escrito por Marcos, não poderia ter sido escrito muito mais tarde do que 80 AD. É importante perceber que muitos eruditos acreditam que possam estabelecer que o Evangelho Canônico de Marcos fora literalmente dependente deste, e portanto escrito após o Secreto Evangelho de Marcos.[12] Hans-Martin Schenke acredita que “esta versão apócrifa de Marcos de Alexandria não seria de nenhuma maneira uma extensão de nosso Segundo Evangelho; ao invés disso, nosso Evangelho (de Marcos) deveria ter sido um resumo sanitizado do Apócrifo Alexandrino,” e pode representar uma antiga tradição que “reflete um evento histórico.”[13] John Crossan concorda que o Secreto Evangelho de Marcos “ é independente dos [Evangelhos] de João…[e] de Marcos…. Dependência, de fato, ocorre na direção oposta, a apartir do Secreto Marcos em direção a João e Marcos.”[14] Em outras palavras, há ampla evidência que o material no Secreto Evangelho de Marcos representa idéias Cristãs do primeiro século A.D..
Proveniência: Clemente diz que o documento foi escrito no Egito, cuja localidade é geralmente aceita hoje como acurada.
Em suma, o Secreto Evangelho de Marcos é um documento Cristão Egípcio de autoria incerta, escrito algum tempo entre a segunda metade do primeiro e início do segundo séculos A.D..
A seguinte passagem é parte do único e disponível fragmento do Secreto Evangelho de Marcos, o qual nos conta a história do que aconteceu com Lázaro após ter sido ele ressuscitado dos mortos por Jesus:

E eles [Jesus e os Apóstolos] vieram até Betânia, e uma certa mulher, cujo irmão havia morrido, estava lá. E vindo ela, prostou-se diante de Jesus e lhe disse, “Filho de Davi, tende misericórdia de mim.” Mas os discípulos a repreendiam. E Jesus, ficando zangado com isto, foi junto com ela até o jardim onde o túmulo estava, e imediatamente um grande grito foi ouvido do túmulo. E aproximando-se, Jesus rolou da frente a pedra da porta do túmulo. E imediatamente, indo até onde estava o jovem, estendeu a sua mão e o levantou, tomando-o pela sua mão. Mas o jovem, olhando para ele, o amou e começou a implorar-lhe para que ele pudesse permanecer com o Senhor. E saindo do túmulo vieram eles até a casa do jovem, pois era rico. E após seis dias Jesus Jesus lhe disse o que deveria ser feito e no fim da tarde o jovem veio até Ele, vestindo uma roupa de linho [branca] sobre seu [corpo] nu. E ele [o jovem] permaneceu com ele [Jesus] durante aquela noite, pois Jesus lhe ensinou os mistérios do reino de Deus.[15]

Esta passagem nos providencia uma descrição muito clara de Jesus realizando um ritual de iniciação secreto chamado os “Mistérios do Reino de Deus”. A partir desta passagem podemos isolar quatro motivos ritualísticos os quais faziam parte deste “Mistérios do Reino de Deus” de acordo com o evangelho de Marcos:
A. Havia um período de seis dias de preparação, com a iniciatória tomando lugar no sétimo dia. Este período de espera pode ser coincidência, mas neste antigo escopo provavelmente represente um período de preparação para alguns tipos de rituais de purificação.[16]
B. Os “Mistérios do Reino de Deus” começam com o jovem (que é chamado Lázaro na versão Joanina da história) vestindo uma “roupa de linho sobre seu corpo nu”, o que novamente neste antigo contexto claramente implica um ritual iniciatório.[17]
C. Instruções sobre os “Mistérios do Reino de Deus” duravam toda a noite. Em outras palavras, participação completa em todo o completo ritual requereria muitas horas.
D. Os “Mistérios do Reino de Deus” eram alguma coisa que foi ensinada ou estabelecida pelo próprio Jesus.

2. Este sistema de ritual foi transmitido para Marcos Evangelista através de Pedro, o qual trouxe o sistema de ritual para Alexandria no Egito algum tempo depois por volta de 65 A.D., 3. Estes rituais eram secretamente praticados por pelo menos algumas ramificações da Cristandade Alexandrina “ortodoxa” até pelo menos o fim do segundo século A.D. A recém descoberta epístola de Clemente também nos providencia uma história literária do Evangelho Secreto de Marcos conforme compreendido pela ramificação do Cristianismo a que pertencia o bispo Clemente de Alexandria.

Concernente a Marcos, durante a estadia de Pedro em Roma ele escreveu [um relato] dos feitos do Senhor, não, entretanto, declarando tudo [de seus feitos], nem mesmo se referindo indiretamente aos segredos, mas selecionando aqueles que ele achava de maior utilidade para o desenvolvimento da fé daqueles que estavam sendo instruídos. Mas quando Pedro morreu como um mártir, Marcos voltou para Alexandria, trazendo tanto as suas anotações como aquelas de Pedro, das quais ele transferiu para seu livro anterior informações adequadas para qualquer coisa que levasse o progresso em direção ao conhecimento [gnosis]. [Então] Ele compôs um evangelho mais espiritual para aqueles que estavam sendo aperfeiçoados, não obstante, ele não divulgou ainda as coisas que não deveriam ser divulgadas, nem escreveu ele os “Ensinamentos Hierofânticos do Senhor”, mas àquelas histórias já escritas [no canônico Marcos] ele acrescentou ainda outras e, além do mais, trouxe alguns certos ditos, os quais ele conhecia a interpretação, e que poderiam, como um pronunciamento místico, guiar os ouvintes às mais internas partes do santuário até àquela verdade escondida pelos sete [véus]….(Quando ele morreu) ele deixou sua composição na Igreja de Alexandria, onde é ainda hoje cuidadosamente guardada, sendo lida apenas para aqueles que estão sendo iniciados nos “Grandes Mistérios”[18]

Desta fascinante passagem temos as seguintes implicações:
A. Clemente acreditava que Jesus falara de ensinamentos secretos os quais não foram registrado no Novo Testamento.[19]
B. Havia um documento em Alexandria o qual não estava disponível aos Cristão comuns, mas apenas a um grupo seleto a quem Clemente descreve como aqueles que procuravam o verdadeiro conhecimento e aqueles que estavam sendo aperfeiçoados. Este livro é conhecido hoje como o Evangelho Secreto de Marcos.
C. Em adição aos ensinamentos escritos no Evangelho Secreto de Marcos, havia outros ensinamentos orais secretos conhecidos por Clemente como os “Ensinamentos Hierofânticos do Senhor” e rituais de iniciação secretos conhecidos como “Os Grandes Mistérios”. Os Ensinamentos Hierofânticos e os Grandes Mistérios não são baseados no Evangelho Secreto de Marcos, nem estavam contidos em qualquer outro documento de possessão de Clemente. Clemente especificamente afirma que estas “coisas não eram para ser divulgadas,” e Marcos não as escreveu. Os Ensinamentos Hierofânticos e os Grandes Mistérios precisavam ser portanto transmitidos através de uma tradição oral secreta. De fato, a importância de manter o segredo destes ensinamentos eram tão grandes que Clemente insistia em sua epístola que “ninguém não iniciado" nunca nem mesmo deixar transparecer que o Secreto Evangelho foi escrito por Marcos, mas deveria mesmo negá-lo em juramento”[20] Mesmo antes da descoberta do Evangelho Secreto de Marcos, havia boa evidência que Clemente de Alexandria via a iniciação aos mistérios de Deus como uma fundamental parte do Cristianismo. Conforme descrito por G. Bornkamm, Clemente via:

"As verdades da religião Cristã como mistérios. Guiados pelo Cristo, o Mistagogo (Stromata IV, 162, 3ff.). O Gnóstico [neste sentido, simplesmente “conhecedor”] recebia iniciação e perfeição (Protepticon XII, 120, 1) passando através dos estágios desde os pequenos mistérios (e.g., a doutrina da criação) até os grandes mistérios, onde a iniciação mística acontecia (Stromata IV, 3, 1; Protepticon XII). Os mistérios supremos, para serem protegidos contra profanação, precisavam ser passados apenas na presença do véu (Stromata V, 57, 2)[21].

A descoberta desta nova epístola de Clemente vem agora claramente mostrar que Clemente não via estes mistérios num sentido alegórico como havia sido freqüentemente antes assumido, mas tinha em mente verdadeiros ritos de iniciação secretos nos quais acreditava terem sido instituídos pelo próprio Cristo.
Schenke também ver a importância desta nova evidência sobre os antigos e sagrados ritos de iniciação Cristã:

Como pode ser explicado que em Alexandria o Evangelho Secreto ganhou tamanha importância e funcionava como texto ritual utilizado na Iniciação do Perfeito? Na verdade, o rito conectado ao Evangelho Secreto de Marcos é tão estranho que muitos eruditos recusaram-se a reconhecê-lo como real….O rito deve ter sido alguma coisa que nunca foi introduzido [em Alexandria] mas antes alguma coisa que simplesmente lá já estava. Aplicando ao Evangelho Secreto de Marcos, isto significaria que ele também nunca veio até Alexandria, mas lá estava durante todo esse tempo. Ele é mesmo o próprio evangelho da Cristandade ortodoxa em Alexandria e está conectado de uma maneira fundamental à origem daquele [ramo do] Cristianismo.[22]


4. Durante o começo do segundo século A.D., Carpócrates, um antigo Gnóstico Cristão, ganhou acesso a pelo menos parte deste sistema de ritual por meio de um élder apóstata em Alexandria e, 5. Carpócrates e outros Gnósticos transmitiram formas modificadas destas idéias e rituais para alguns ramos do Cristianismo Gnóstico. Mais uma vez a partir da recém descoberta epístola de Clemente aprendemos que o ramo Gnóstico Carpocratiano do antigo Cristianismo[23] adquiriu conhecimento de alguns dos Ensinamentos Hierofânticos e dos Grandes Mistérios. Clemente alega que:

Carpócrates [um dos originais mestres Gnósticos que floresceram ca. 117-138 A.D.]…usando artes enganosas, de forma tal que escravizou um certo élder da igreja em Alexandria para que ele [Carpócrates] pudesse dele obter [do élder] uma cópia do Evangelho Secreto ao qual ele não só o interpretou de acordo com suas doutrinas blasfemas e carnais como também, além disso, o poluiu, misturando com as imaculadas e santas palavras mentiras adicionais e impudicas. Desta mistura foi extraído o ensinamento dos Carpocratianos.[24]

Se a declaração de Clemente está acurada, isto mplica que:
A. O Evangelho Secreto de Marcos deve ter ficado disponível por alguns anos antes de 125 A.D., quando Carpócrates uma cópia dele obteve .
B. Um anônimo élder Alexandrino deixou a Igreja de Alexandria para unir-se a Carpócrates, dando-lhe uma cópia do Evangelho Secreto de Marcos e talvez tenha transmitido partes orais dos Ensinamentos Hierofânticos e dos Grandes Mistérios.
C. Antes da recente descoberta da carta de Clemente, havia sido usualmente mantido pelos eruditos modernos que os teólogos do Cristianismo Alexandrino foram influenciados pelos conceitos Gnósticos e Helênicos.[25] A nova carta de Clemente demonstra que os Grandes Mistérios e os Ensinamentos Hierofânticos não foram copiados pelos Alexandrinos dos Gnósticos e Gregos Pagãos, mas conforme mantido por Schenke, era parte das mais antigas idéias e práticas do Cristianismo Alexandrino.[26]
D. As idéias e rituais de pelo menos algumas ramificações do Cristianismo Gnóstico podem então ser vistos como variações e modificações dos ensinamentos e rituais sagrados dos antigos Cristãos Alexandrinos.



6. Possíveis manifestações deste transformado sistema ritual podem ser encontradas em várias obras antigas Cristãs escritas pelos ou sobre os Gnósticos. É possível determinar quaisquer detalhes dos Ensinamentos Hierofânticos ou dos Grandes Mistérios? Clemente recusava-se a discutir este assunto abertamente, embora houvesse muitas interessantes alusões a tais problemas em seus escritos sobreviventes, conforme já temos visto.[27] Entretanto, explícitas discussões de supostas secretas doutrinas e rituais sobreviveram nos ensinamentos dos Gnósticos, os quais, de acordo com Clemente, foram pelo menos derivadas parcialmente a partir do acesso de Carpócrates aos sagrados ensinamentos dos Cristãos Alexandrinos.

Eruditos modernos estão agora começando a reconhecer que, em adição as doutrinas esotéricas dos Gnósticos, existia também um corpo de rituais esotéricos, os quais recebiam freqüentemente alusões nos escritos Gnósticos.[28] Na verdade, J.J. Buckley mantém que o Evangelho de Felipe de Nag Hammadi é essencialmente um manual preparatório para um ritual secreto de iniciação.[29]
O ‘pano de fundo’ do ritual no Evangelho de Felipe é bastante explícito. Por exemplo, aprendemos que o “Senhor [fez] todas as coisas por meio de um Mistério : batismo, crisma, eucaristia, resgate , e a câmara nupcial.”[30] De acordo com o Evangelho de Felipe, estes rituais formavam a então essência dos ensinamentos de Cristo. Os Grandes Mistérios são também alegoricamente relacionados com o templo em Jerusalém.

“O santo edifício é o batismo, o lugar santo é o resgate , e o Santo dos Santos (ou lugar Santíssimo) é a câmara nupcial.”[31]

7. Os paralelos entre a investidura do templo dos Santos dos Últimos Dias e alguns rituais e escritos Gnósticos podem ser vistos como possíveis reflexões de paralelos com os rituais originais estabelecidos por Jesus. É precisamente nos escritos Gnósticos que encontramos alguns dos mais fascinantes paralelos com alguns motivos rituais da investidura templária dos Santos dos Últimos Dias. Entre os muitos motivos rituais e doutrinas mencionadas nos escritos Gnósticos que fazem um paralelo com o ritual da investidura templária dos Santos dos Últimos Dias, notaremos aqui apenas os seguintes doze aspectos gerais:[32]
A. A tradição secreta originou-se com Jesus. Irineu relata: “Jesus, [o Gnóstico] dizia, falando em um mistério aos seus discípulos e apóstolos privativamente, e exigindo deles para passarem estas coisas aos dignos e para aqueles que consentissem.”[33]
B. Os rituais secretos iniciatórios são o centro do evangelho de Cristo. O Evangelho de Felipe diz: “O Senhor [fez] todas as coisas por meio de um mistério : batismo, crisma , eucaristia, resgate , e câmara nupcial.”[34]
C. Rituais de batismo e de unção com óleo. “A crisma é superior ao batismo, pois é da palavra ‘crisma’ que somos chamados ‘Cristãos’ {Nota: Cristo = “o ungido”}, certamente não por causa da palavra ‘batismo’. E é por causa da crisma que “o Cristo” tem o seu nome. Pois o pai ungiu o filho, e o filho ungiu os apóstolos, e os apóstolos nos ungiram. Aquele que foi ungido possui todas as coisas. Este possui a ressurreição, a luz, a cruz, e o santo espírito. O pai deu-lhe isto na câmara nupcial; este meramente aceita (o dom). O pai estava no filho e o filho no pai. Este é [o] reino dos céus.”[35]
D. Rituais de círculos de oração (descritos de maneira extensiva por Hugh Nibley).[36]
E. Uso de vestimentas ritualísticas. “Os poderes (demoníacos) não vêem aqueles que estão vestidos na perfeita luz, e consequentemente não são capazes de os deter. Vestir-se-á sacramentalmente nesta luz durante a união.”[37]
F. Apertos de mão como sinais de reconhecimento. Epifâneo explica: “A mão é apertada, em saudação, é claro, e um pequeno toque é feito na palma da mão, desta forma para indicar secretamente que o visitante é da mesma religião deles.”[38]
G. Conhecimento do sagrado nome de Deus é necessário para a exaltação. “Um nome singular não é divulgado no mundo, o nome que o Pai deu ao Filho, o nome sobre todas as coisas: o nome do Pai. Pois o Filho não se tornaria Pai a menos que vestisse o nome do Pai. Aqueles que tiveram este nome sabe-o, mas não o falam. Mas aqueles que não o tem não o sabem.”[39]
H. Existência pré-Mortal da Humanidade. “[Os Gnósticos alegam que] Eu derivo minha existência a partir daquele que foi pré-existente, e voltarei novamente para aquilo que me é pertencido, de onde eu provim.”[40]
I. Casamento secreto é necessário para completar a ordenança. “Se qualquer um torna-se filho da câmara nupcial, este receberá luz. Se qualquer um não a receber enquanto aqui estiver aqui, não será capaz de a receber em outro lugar.”[41] “Aqueles que se uniram na câmara nupcial não serão mais separados.”[42] “Alguns [dos Gnósticos] preparam uma câmara nupcial e realizam um ritual místico, com certa invocações, por aqueles que estão sendo consagrados, e estes alegam que o que estão efetivando é um casamento espiritual, segundo a imagem das conjuções do alto.”[43]
J. Os rituais de iniciação simbolizam uma ascensão celestial. Orígenes providencia uma detalhada descrição de tal ascensão, a qual é muito extensa para uma completa citação aqui.[44]
K. Um véu separa o iniciado de Deus. “Portanto as coisas perfeitas nos foram abertas [através do véu], junto com as verdades ocultas. Os Santos dos Santos (Lugares Santíssimos) foram revelados, e a câmara nupcial nos convida a entrar.”[45]
L. Humanidade pode se tornar como Deus. “Você viu o espírito, você tornou-se espírito. Você viu Cristo, você torna-se Cristo. Você viu [o Pai, você] deverá tornar-se pai.”[46]

Acredito que podemos fazer as seguintes conclusões baseados na evidência da epístola de Clemente e no fragmento do Evangelho Secreto de Marcos. O antigo ramo de Clemente do Cristianismo em Alexandria acreditava que existia três níveis de conhecimento Cristão: Primeiro, os evangelhos canônicos, os quais foram escritos com a intenção de trazer novos conversos para o Cristianismo. Segundo, uma secreta tradição escrita, exemplificada pelo Evangelho Secreto de Marcos, a qual era apenas para ser lida por Cristãos mais maduros ou Cristãos que buscavam conhecimentos maiores, mais esotéricos. Terceiro, uma ainda mais secreta tradição oral conhecida como os “Ensinamentos Hierofânticos,” e rituais conhecidos como os “Grandes Mistérios,” ou “Mistérios do Reino de Deus.” Os “Mistérios do Reino de Deus” incluíam ensinamentos secretos e alguns tipos de cerimônias de iniciação ritualísticas as quais duravam toda a noite. Os conhecidos elementos destas cerimônias iniciatórias consistiam em ser vestido em uma roupa ritualística ou túnica de linho, e a passagem pelos sete véus (ou talvez doutrinas, portas, anjos, etc.) que ocultavam um santuário interno. Algum tempo por volta de 125 A.D., Carpócrates adquiriu conhecimento de alguns ou todos destes ensinamentos secretos e rituais a partir de um élder apóstata em Alexandria. Uma parte dos ensinamentos Gnósticos Carpocratianos foi então derivada a partir de uma modificada forma dos ensinamentos secretos e rituais dos Cristãos Alexandrinos. Escritos e rituais Gnósticos, os quais manisfestavam muitos paralelos com os motivos ritualísticos do templo dos Santos dos Últimos Dias, poderiam em parte representar um versão Gnostificada dos Ensinamentos Hierofânticos e dos Grandes Mistérios mencionados por Clemente.
Desta forma, por intermédio da recém descoberta epístola de Clemente de Alexandria, é possível reconstruir um detalhado cenário da origem, natureza, transmissão e transformação de um antigo e secreto sistema de iniciação Cristão, alegadamente estabelecido pelo próprio Cristo.

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